Terapia Comportamental em Medicina Veterinária: Da Emoção à Solução


A área de Comportamento Animal está em expansão e é crucial para a saúde integral dos nossos pacientes. Deixar de lado o bem-estar emocional é negligenciar uma parte fundamental da clínica. Um profissional que domina a Terapia Comportamental não apenas trata um sintoma, mas transforma a vida do animal e do tutor.

Vamos aprofundar a visão sobre a Modificação Comportamental e seu papel no nosso dia a dia.

1. A Diferença Crucial: Clínica Comportamental vs. Adestramento

É fundamental que nós, veterinários, compreendamos e comuniquemos claramente a distinção entre a nossa atuação e a de um adestrador.

Atenção Clínica: Lembrem-se que um gato que urina fora da caixa de areia deve ter primeiro a função renal e a saúde do trato urinário checadas antes de se iniciar qualquer terapia comportamental. Nosso diferencial é o olhar médico para o problema.

2. Neurociência e Bem-Estar: Por que a Emoção Importa?

O bem-estar emocional não é um luxo, mas uma necessidade fisiológica. O estresse crônico e a ansiedade levam à alostase (adaptação do organismo a um desafio), sobrecarregando o sistema.

  • Efeito Fisiológico: A liberação constante de cortisol (eixo HPA) suprime o sistema imunológico, pode levar à obesidade (aumento do apetite induzido pelo estresse) e, em casos graves, potencializa distúrbios gastrointestinais (como a Síndrome do Intestino Irritável) e dermatológicos (dermatite psicogênica).

  • Comportamentos Patológicos: A persistência de estados emocionais negativos gera transtornos comportamentais. A Ansiedade de Separação em cães é um claro exemplo de Transtorno de Pânico desencadeado pela ausência do responsável.

3. Técnicas Fundamentais da Modificação Comportamental

Nossa intervenção se baseia em princípios sólidos de aprendizado, focando sempre no reforço positivo e na evitação da punição, que apenas suprime o comportamento sem resolver a emoção subjacente, podendo até escalar a agressividade.

A. Dessensibilização e Contracondicionamento (D/CC)

Esta é a espinha dorsal no tratamento de fobias e medos.

  • Dessensibilização Sistemática: Expor o paciente ao estímulo aversivo (ex: barulho de fogos) em uma intensidade tão baixa que ele não desencadeie uma resposta de medo. Aumentamos a intensidade gradualmente, conforme o pet demonstra tolerância e calma.
  • Contracondicionamento: Mudar a associação emocional do pet. Se a campainha antes significava medo ou excitação extrema, passamos a associá-la a uma recompensa de alto valor (um petisco irresistível ou um brinquedo favorito), alterando a resposta de medo/agitação para expectativa positiva.

B. Enriquecimento Ambiental (EA)

Especialmente vital para gatos e cães que passam muito tempo sozinhos. O EA visa permitir que o animal expresse seus comportamentos espécie-específicos (farejar, caçar, roer, arranhar).

  • Gatos: Fornecer múltiplas caixas de areia, arranhadores verticais e horizontais, e brinquedos que simulem a caça (predatory play). O uso de Feromônios Sintéticos (ex: análogo do Feliway) é um manejo ambiental farmacológico muito eficaz para reduzir o estresse e a marcação territorial.

  • Cães: Brinquedos, dispensadores de alimentos, sessões de trabalho de faro (que comprovadamente reduzem o estresse) e oportunidades de mastigação controlada.

4. O Papel Terapêutico do Responsável

O responsável é o co-terapeuta e o agente de mudança no ambiente do pet. Nossa função é educá-lo sobre:

  • Leitura da Linguagem Corporal: Treinar o tutor para identificar sinais de estresse precoce (calming signals) como lamber o focinho, bocejar ou desviar o olhar. A intervenção precoce é a chave.

  • Consistência e Gestão Ambiental: Garantir que o ambiente não permita que o comportamento problema seja reforçado. Ex: Se o cão destrói móveis, eles devem ser retirados ou bloqueados.

  • Terapia Família: Muitas vezes, o comportamento do pet reflete a rotina e o estado emocional da casa. Devemos abordar as interações e expectativas da família.

5. Oportunidades Clínicas e Casos Clássicos

Como veterinários, temos a responsabilidade de rastrear e tratar:

  • Ansiedade de Separação Canina (ASC): Exige um protocolo rigoroso de dessensibilização à rotina de saída e, frequentemente, o uso de ansiolíticos ou antidepressivos tricíclicos (TCA) como a Clomipramina ou ISRS como a Fluoxetina.

  • Agressividade por Medo/Territorial: A agressividade é quase sempre um sinal de que o pet está com medo e tenta aumentar a distância do estímulo aversivo. O tratamento foca em D/CC e nunca em métodos punitivos.

  • Síndrome da Disfunção Cognitiva (SDC) em Geriátricos: Comportamento errático (andar em círculos, vocalização noturna, desorientação). A terapia envolve EA adaptado, nutracêuticos e, em muitos casos, a Selegilina.

A Terapia Comportamental não é uma “disciplina”, é uma intervenção médica que garante a qualidade de vida e a longevidade dos nossos pacientes. Integrar o diagnóstico comportamental em nossa rotina clínica é o futuro da Medicina Veterinária.

Texto por: Simone Freitas
Responsável técnica: Dra. Simone Freitas CRMV- BA 1771






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