Entrevista com Dra. Dra. Priscila Pinto: VetMental


Na série de entrevistas do VetGuide, conversamos com profissionais de diferentes trajetórias para inspiração e informações para os nossos leitores. Hoje, nossa convidada é a Dra. Priscila Pinto, médica-veterinária e psicanalista clínica, que já atuou diretamente na rotina clínica e na área comercial. Conhecendo de perto as dores e desafios emocionais da profissão, ela criou a VetMental.


1. Dra. Priscila, para quem ainda não conhece a VetMental, poderia nos falar como ela nasceu?

Priscila: A VetMental nasceu justamente da minha vivência na rotina clínica e na área comercial. Após ver tantos colegas adoecendo, e de também passar por momentos de exaustão, entendi que a saúde mental precisa ser um pilar dentro da Medicina Veterinária. A VetMental surgiu para levar acolhimento, consciência emocional e ferramentas de equilíbrio para profissionais, empresas e estudantes do universo PetVet.

2. Na sua prática, atualmente, qual é o problema de saúde mental mais comum entre veterinários?

Priscila: Hoje, o problema mais comum entre veterinários é o esgotamento emocional, que muitas vezes vem acompanhado de ansiedade, sensação de impotência e culpa constante. Muitos profissionais vivem num estado de alerta permanente, tentando dar conta de tudo, sem perceber que estão se distanciando de si mesmos. O maior desafio é justamente reconhecer que não é fraqueza sentir cansaço, mas sim um sinal de que o corpo e a mente estão pedindo ajuda.

3. Quais são os primeiros sinais de que um veterinário está entrando em burnout?

Priscila: Os primeiros sinais de burnout aparecem de forma sutil: dificuldade para descansar, perda de prazer nas atividades, irritabilidade, apatia, insônia e distanciamento emocional dos tutores ou pacientes. Outro alerta importante é quando o veterinário começa a sentir que nada mais o satisfaz — nem o reconhecimento, o dinheiro e o próprio amor pelos animais. Isso indica que algo dentro dele está em colapso.

4. Na sua visão, o que mais adoece na rotina veterinária: carga horária, pressão do tutor, dinheiro, plantão ou outra coisa?

Priscila: Todos esses fatores pesam: carga horária, plantões, pressão financeira e emocional. Mas, na minha visão, o que mais adoece é a falta de pertencimento e de reconhecimento humano. Muitos veterinários sentem que não têm voz, que não são valorizados e que precisam ser “fortes o tempo todo”. Isso cria um abismo entre quem cuida e quem é cuidado — e ninguém sustenta isso por muito tempo sem consequências emocionais.

5. É possível colocar limites com tutores sem parecer antiético ou frio? Como?

Priscila: Sim, é totalmente possível colocar limites de forma ética e humana. A chave está na comunicação empática e assertiva. Quando o veterinário se posiciona com clareza, explicando o porquê de cada conduta, ele não parece frio, e sim demonstra profissionalismo. Ser acolhedor não é dizer “sim” para tudo; é dizer “não” com respeito e firmeza. Isso protege tanto o profissional quanto o tutor e, principalmente, o animal.

6. A graduação prepara emocionalmente ou ainda falha na formação para o mercado de trabalho?

Priscila: A graduação ainda falha muito na formação emocional. Aprendemos a técnica, mas não aprendemos a lidar com o sofrimento, a morte, a pressão e a culpa. Falta um olhar mais humano dentro das universidades, um espaço para falar sobre sentimentos, propósito e limites. Enquanto isso não muda, muitos veterinários entram no mercado despreparados emocionalmente — o que explica o índice tão alto de adoecimento.

7. Quando é a hora certa de buscar ajuda profissional — e por que muitos esperam demais?

Priscila:A hora certa é quando o peso começa a ser maior que o prazer. Quando o veterinário já não se reconhece mais, quando acordar para trabalhar é um fardo, quando a irritação e o cansaço se tornam constantes — esse é o momento de buscar ajuda. O problema é que muitos esperam demais por medo de julgamento. Mas pedir ajuda não é sinal de fraqueza; é sinal de responsabilidade consigo mesmo e com a profissão veterinária.

8. O que você recomenda como autocuidado realista para quem vive sem tempo?

Priscila: O autocuidado não é luxo, e sim uma gestão emocional diária. Para quem vive sem tempo, o autocuidado começa com pequenas atitudes: respirar conscientemente entre um atendimento e outro, tomar água com presença, ter um limite claro para mensagens fora de hora e aprender a dizer “hoje não”. O autocuidado realista é aquele que cabe na rotina — não o que exige fuga dela.

9. Existe preconceito entre veterinários sobre admitir exaustão emocional?

Priscila: Ainda há muito preconceito e silêncio quando o assunto é saúde mental dentro da medicina veterinária. Muitos profissionais têm medo de serem vistos como frágeis ou incompetentes ao admitir que estão cansados ou sobrecarregados, criando isolamento, culpa e exaustão. Mas o verdadeiro profissionalismo está em reconhecer quando é hora de buscar ajuda. Falar sobre saúde mental não é sinal de fraqueza, e sim um ato de coragem e de amor pela própria profissão.
Outros tabus que precisam ser trazidos à luz são: baixa remuneração e acúmulo de funções; falta de reconhecimento social — o esforço do veterinário nem sempre é valorizado, afetando autoestima e propósito; pressão por perfeição e medo de julgamento entre colegas. Falar sobre isso é urgente, porque o silêncio adoece, mas o diálogo liberta.

10. Que recado você deixaria para quem está pensando em desistir da profissão hoje?

Priscila: Se você está pensando em desistir, respira… e lembra o porquê de ter começado. Talvez não precise abandonar a Medicina Veterinária, e sim reencontrar o seu jeito de estar nela. A verdade é que a veterinária é muito maior do que a clínica ou o consultório: há um universo de possibilidades esperando por você — como comportamento animal, gestão de equipes, ensino e educação, comunicação e marketing pet, bem-estar animal e muito mais. Cada uma dessas áreas carrega formas diferentes de cuidar, contribuir e se realizar.
Às vezes, o que pesa não é a profissão, mas as expectativas e cobranças que você carrega, sem perceber. Muitos desses pesos nem são seus: vêm das comparações, da cobrança de ser perfeito, da cultura de “dar conta de tudo”. Mas a verdadeira força está em reconhecer o que é seu e o que você pode devolver.
Desistir não é o único caminho. Talvez seja hora de se reconectar com a sua essência — o que ainda te emociona, o que ainda faz seu coração vibrar quando você olha para um animal, para uma equipe ou para o impacto que você pode causar.

Agradecemos à nossa convidada pela generosidade em compartilhar sua trajetória e conselhos com os leitores do VetGuide. Sua experiência mostra como a Medicina Veterinária é uma área repleta de possibilidades e aprendizados contínuos. Se você é estudante ou recém-formado, esperamos que essa entrevista tenha te inspirado!

Texto por: Simone Freitas
Responsável técnica: Dra. Simone Freitas CRMV- BA 1771 


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