Por que o “exposoma” importa mais do que o gene sozinho ?
A dermatite atópica canina (DAC) é uma doença inflamatória cutânea de base alérgica, multifatorial e recidivante. Embora exista predisposição genética bem documentada, o salto expressivo na prevalência desta enfermidade nas últimas décadas não se explica pelo DNA e sim pelo que cerca o cão. É aqui que o termo exposoma ganha poder explicativo. O exposoma é o conjunto total de exposições ambientais que um indivíduo sofre ao longo da vida — de partículas inaladas a alimentos, de microbiotas aos hábitos cotidianos — e como elas modulam risco, expressão clínica e severidade da doença.
A DAC é, portanto, uma doença de limiar: animais geneticamente predispostos podem permanecer assintomáticos até que a soma de exposições externas (urbano vs rural, químicos, pó fino, alérgenos de interior, superfície doméstica, estilo de vida) e internas (microbioma, dieta, inflamação sistêmica, estresse) ultrapasse a “linha de ativação” para o fenótipo clínico.
Urbanização, biodiversidade e microbioma
Cães que migram para rotinas urbanas perdem contato com diversidade microbiana ambiental, como florestas, solo e outros animais que treinam e regulam o sistema imune. Em paralelo, passam a conviver com ácaros de ambientes internos, químicos domésticos e ar condicionado recirculado. O resultado é um sistema imunológico mais reativo e uma microbiota cutânea mais pobre e, frequentemente, homogeneizada à microbiota humana; o oposto do que ocorre com pares de áreas rurais, que exibem taxas menores de alergia.
Poluição e química: agressão de barreira e epigenética
O cão urbano vive ao nível do solo, próximo às partículas mais nocivas de poluição. Adicionalmente, desinfetantes, fragrâncias, surfactantes (como o SLS), fumo passivo e poluição doméstica crônica lesionam barreiras epiteliais e alteram microbiota, facilitando translocação de alérgenos e inflamando a pele. Esse conjunto não só abre porta para alérgenos como muda a expressão gênica via mecanismos epigenéticos, ampliando a inflamação de fundo.
Dieta, eixo intestino-pele e antibióticos
O microbioma intestinal é peça do exposoma interno. Dietas ultraprocessadas, pobres em fibra fresca e ricas em emulsificantes modulam negativamente a ecologia intestinal e aumentam risco de DAC. Ao contrário, dietas menos processadas em janelas críticas (gestação, lactação, infância) têm efeito protetor. O uso repetido de antibióticos amplifica a disbiose intestinal, que se correlaciona com maior gravidade clínica.
Estilo de vida moderno: sedentarismo, obesidade e estresse sincronizado
Menos campo, menos sol, menos deslocamento e menos exercício — somados à obesidade e à inflamação metabólica — empurram o limiar da DAC para baixo. O estresse humano também é transmitido ao cão: níveis de cortisol em pelos de cães atópicos se alinham aos de seus responsáveis, e o estresse crônico prejudica a barreira cutânea, fecha o ciclo de inflamação e aumenta a recaída.
Por que esse olhar importa na prática clínica?
Falar em exposoma na dermatite atópica canina muda a lógica do manejo: DAC não é apenas bloqueio farmacológico de sintomas; é intervenção na carga de exposição que mantém a doença ativa. Redução de poluentes e químicos domésticos, enriquecimento ambiental, contato com diversidade ao ar livre, ajuste dietético, moderação no uso de antibióticos, controle de peso e estratégias de manejo do estresse tornam-se intervenções terapêuticas modificadoras de curso, não apenas adjuvantes.
A DAC é, finalmente, a expressão dermatológica de uma vida urbana moderna: uma doença de ecologia, de contexto e de cotidiano — e não apenas de pele.
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